Segredo do universo

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A lenda diz que o Sol e a Lua se apaixonaram perdidamente durante um eclipse, mas assim como esse fenômeno, esse amor também se tornaria raro. Todas as manhãs, a Lua se senta sob as montanhas e observa seu amante pintar um quadro alaranjado e apaixonado no horizonte. E ao entardecer, o Sol se inclina por trás das colinas para saudar sua amada enquanto a vê lançar seu véu negro sobre a planície terrestre.

Mas em algumas ocasiões especiais, quando essa paixão se torna forte demais para suportar, um eclipse é provocado para consumar esse amor. Seres magníficos nascem frutos da união da perfeição, paixão, desejo, intensidade, amor e, acima de tudo, beleza inexplicável. Os sábios dizem que, para manter esse segredo oculto, esses seres são disfarçados entre os humanos. Eles são seres de beleza incomparável, com vozes doces, personalidades cativantes, corações poderosos, amorosos, fortes e, acima de tudo, são admirados e até invejados.

Pensando bem, você é tão maravilhosamente impressionante que não há outra explicação; você é o resultado do maior segredo do universo.

O Segredo Da Morte

O sino majestoso da pequena igreja central soou doze vezes, ecoando por ruas escuras e becos ocultos. No centro de uma praça arborizada, acima de um lance de escada,  sob o gramado macio recentemente irrigado, a igrejinha se ergue, como um monumento tímido, pequeno em tamanho, grande em sua história. Suas portas voltadas para um hospital público contempla os mais diversos sentimentos humanos, a dor de quem sangra, o desespero de quem se curva ao luto, o medo da incerteza e a felicidade do nascimento. 

Depois de um dia cheio de trabalho, a vida atravessou a rua e sentou-se na escadaria da igrejinha, cansada suspirou, abriu o livro e rabiscou mais um nome para sua lista dos nascimentos. A vida tem a aparência de uma mulher de trinta anos, cabelos longos e cacheados, pele cor de obsidiana essencial, olhos pequenos e misteriosos, lábios grossos avermelhados, veste uma túnica branca e trás um livro em suas pequenas mãos. Seu rosto ressaltado com a cor da natureza que se assemelha a maquiagem, e o brilho natural das estrelas como purpurina brilham sua pele sedosa. 

De repente a morte atravessou a porta automática do hospital, seguida por uma família em tristeza profunda. O grupo atravessou a rua e se reuniu diante da igreja enquanto a morte senta ao lado de sua rival no degrau desgastado. A morte se apresenta de forma caricata,  corpo esquelético, envolto em uma túnica negra levando uma foice nas mãos. Em algum momento se identificou com o imaginário humano e se adaptou a imagem fria que lhe foi dada. 

Apesar de seu rosto de ossos não demonstrar emoções, a vida notou a felicidade implícita em sua antagonista enquanto observa a família lamentar o pesar do luto. Incomodada, a vida se gabou das vidas que presenteou. 

-Dei a vida para nove bebês – disse ela com um largo sorriso – Fiz nove famílias felizes. 

-Que bom. 

O desdém da morte a deixou ainda mais inconformada. 

-Como pode se deliciar com a morte de alguém? Sorrir enquanto essa família chora? Que tipo de demônio desalmado você é? 

A morte não respondeu, apenas se levantou e se afastou lentamente, desaparecendo no breu noturno deixando o ar frio e mórbido para trás. De repente os familiares abafaram o choro e começaram a falar. 

-O Papai viveu muito bem – disse um homem – teve dois casamentos felizes, viajou o mundo, teve seis filhos que foram o mundo para ele. 

-Realizou seus sonhos se tornando um empresário – disse a outra filha – mas nunca se esqueceu da família e dos amigos. 

-Chegou aos oitenta e seis anos saudável – disse a ex esposa. 

A vida saltou dos degraus irritada, como a morte pôde interromper uma história tão incrível? 

-Mas a idade o debilitou muito nestes últimos meses – disse o filho – o câncer o consumiu muito rápido e a dor estava insuportável, ele precisava de um alívio. 

-Sim – a filha concordou – Apesar da tristeza que sentimos, temos que ter em mente que o papai está livre de todo sofrimento causado por essa doença horrível. Ele descansou em paz depois de ter feito a vida valer a pena. 

De repente a vida teve um insight, aquele ser que julgou ser sua rival, por destruir tudo que ela criava, não era uma vilã, pois dava as suas criações o que a vida não podia dar, o alívio da dor terminal. Pereceu também que por milhares de anos, ela viu apenas o começo da criação, mas não sabia como elas terminavam, as decisões que tomam, as conquistas, derrotas, lutas e marcas que deixavam na história. Desse dia em diante, a vida passou a visitar necrotérios, sentar-se em gavetas frias para ouvir por horas a morte contar de forma orgulhosa a história de suas criações. E por ironia, a morte tem mais orgulho da vida, do que a própria vida. E as vezes, mais do que admite, a morte vai a maternidade também, só pra ver como tudo começa, se Inclina sob um bebê e sussurra. 

-Faz sua vida valer a pena, porque dá próxima vez que nos encontrarmos, quero ouvir uma história boa. Mas não conta pra ninguém, é segredo. 

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